Alerta para aumento de suicídios entre jovens gays na Europa

Imagem: Bandeira da Diversidade Sexual

Metade dos jovens gays e lésbicas ouvidos em pesquisa feita pelo governo da Holanda já pensaram em cometer suicídio. Quase um em cada dez meninos e uma em cada oito meninas afirmam ter tentado se matar, uma atitude que menos da metade dos homossexuais em geral disse já ter tomado. A tendência é maior entre os mais jovens. É a primeira vez que esses dados são divulgados na Holanda, considerado o país de maior aceitação da homossexualidade na Europa, e geraram um alerta para o tema em outros países do continente.

Em Portugal, tentar suicídio foi um dos sentimentos relatados por vítimas de agressão (verbal ou física) que se queixaram ao Observatório da Educação Educação da Rede Ex Aeqo – associação de jovens homossexuais, bissexuais e transgêneros.

A situação é considerada “preocupante” pelo relatório Just Different, That’s All, divulgado no dia 13 pelo Instituto Holandês de Pesquisa Social (SCP, na sigla em holandês), que pede atenção do sistema de saúde do país para a situação psicológica dos jovens.

“Hoje, as políticas do governo são voltadas para [a prevenção de] espancamentos de gays. Mas o risco de suicídio definitivamente se tornará preocupação”, diz Saskia Keuzenkamp, coordenadora da pesquisa, em entrevista ao Opera Mundi. “São dados relativamente novos. Algumas ONGs haviam notado e pedido para o governo fazer algo”. No entanto, a coordenadora da pesquisa aponta que nenhuma medida foi tomada pelas autoridades.

O estudo foi feito com base em questionários destinados a cerca de 1,6 mil jovens entre 16 a 25 anos e 30 entrevistas. O SCP considera o universo amostral como representativo, apesar de não haver uma estatística formal que classifique os indivíduos de acordo com a orientação sexual. Os dados sobre o suicídio entre heterossexuais foram obtidos em outras pesquisas sobre o tema.

Identidade

De acordo com o relatório, o risco de suicídio cresce quando o homossexual vive em um ambiente hostil. Um em cada quatro jovens (ou 25%) que disseram ser alvo de reações negativas semanalmente afirma ter tentado acabar com a própria vida. No geral, a taxa gira em torno de um em cada oito lésbicas e quase um em cada dez gays.

Os ataques dificultam a autoaceitação em um período que é justamente de formação da identidade do indivíduo e levam também a uma maior ocorrência de depressão. Os gays que regularmente são alvo de rejeição têm três vezes mais surtos depressivos do que os aceitos, segundo os entrevistados no estudo. As lésbicas mais masculinizadas tendem a ser mais deprimidas do que as demais e o mesmo fenômeno acontece entre os gays afeminados, embora a diferença não seja tão grande.

A Holanda tem uma tradição histórica de aceitação do homossexualidade. No país, desde o início do século passado, a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo não é proibida – algo que foi considerado crime em Portugal até a década de 1980, por exemplo. O país foi o primeiro do mundo a aprovar o casamento homossexual com direito a adoção, em abril de 2001 – a lei portuguesa foi aprovada em maio e retira expressamente esse direito dos casais.

Em outra pesquisa do SCP, divulgada em março, perguntados se seria inaceitável ter um filho gay ou lésbica, 87% dos entrevistados disseram que não. Entre os jovens ouvidos no relatório mais recente, 7% disseram ser rejeitados pelos pais – o que acontece principalmente em famílias religiosas.

Educação

Mesmo nesse contexto, o sentimento homofóbico ainda causa alarme, também porque o que se diz não é, necessariamente, o que se faz. O relatório holandês afirma haver sinais de um recrudescimento da discriminação recentemente, citando registros de ataques físicos – como espancamentos ocorridos na rua. No caso dos jovens, a atenção é voltada para a escola. Quase um em cada cinco dizem não ser aceitos totalmente no ambiente de ensino.

“O ensino secundário não é um lugar seguro para jovens gays, lésbicas e bissexuais. Os jovens impõem normas sexuais e de gênero rígidas uns aos outros. O escárnio e o bullying são a norma”, aponta o documento. A mesma situação é relatada pelo Observatório da Educação da Rede Ex Aequo em Portugal.  “É evidente que, para muitos alunos e alunas, a fase em que descobrem e assumem a sua homossexualidade é muito complicada, frequentemente feita no seio do preconceito e do insulto, num ambiente claramente hostil”, diz Isabel Advirta, da direção da ONG ILGA-Portugal, de apoio à causa homossexual, ao Opera Mundi. “As escolas portuguesas não são, portanto, um território amigável para os e as jovens LGBT.”

Os dados do Observatório da Educação da Rede Ex Aeqo, de Portugal, permitem ter um olhar de relance de como essa hostilidade se constitui. Entre 2006 e 2008, foram recebidas no órgão 92 queixas informais de pessoas que foram vítimas ou presenciaram agressões em decorrência de orientação sexual. Desse total, 76 são alunos e a maioria dos agressores também são estudantes.  Um dos relatos, do relatório de 2008, é da discussão entre professores sobre baixar a nota de um aluno após a descoberta de sua homossexualidade. Há situações em que a violência vem de outro homossexual, o que pode ser uma estratégia para reprimir a própria orientação.

Para Vera Bergkamp, presidente da COC Netherlands – ONG que se diz a mais antiga entidade de defesa dos direitos dos homossexuais no mundo e que tem a juventude como um de seus principais focos de atenção -, a questão da homossexualidade deve ser incluída no conteúdo ensinado em aula. Ela defende, por exemplo, que os professores indiquem a orientação sexual de figuras históricas.

“A escola é um dos locais em que há os maiores problemas. Se você não lê sobre alguém que foi gay, se não se comenta sobre isso, é fácil achar que há um problema com você”, diz a ativista ao Opera Mundi. A Rede Ex Aequo aponta a mesma falha: evita-se a menção à homossexualidade de figuras históricas importantes, o que não contribui para uma visão mais positiva da opção tanto por quem a fez como por quem não a fez, diz o relatório de 2008 do Observatório da associação.

Outros países

Além de serem alvo de rejeição fora de casa de forma mais comum do que os adultos, os jovens tendem a ser mais sensíveis a esses ataques, na opinião de Saskia, a coordenadora da pesquisa holandesa. Por isso, a alta taxa de aceitação pelos pais, identificada na pesquisa, convive com também altos níveis de depressão e pensamento suicida.

“Para os jovens, os pais são importantes, mas os amigos são tão importantes quanto. Na puberdade, é muito importante o que os seus colegas pensam de você”, diz a pesquisadora.

Em 2008, foi perguntado aos europeus se eles concordavam com a frase “os gays e lésbicas devem ser livres para viver como quiserem”. Enquanto aproximadamente 5% dos holandeses afirmaram discordar. Em Portugal, no meio da tabela, de 15%. Já na Rússia, o índice foi de quase 50% – o maior entre 21 países pesquisados.

“Os índices de suicídio entre jovens em geral é muito alto na Rússia. Eu suspeito que entre a juventude LGBT não seja exceção”, diz Polina Savtchenko, coordenadora de projetos da Coming Out (“saindo do armário”) e da The Russian LGBT Network. “Nas escolas, não há ajuda disponível para a juventude homossexual. Os psicólogos não estão preparados ou educados para lidar com a orientação sexual adequadamente”, afirma.

Um dos principais lobbys da organização, afirma Polina, é classificar como crime de ódio o ataque contra homossexuais. “Não há proteção contra discriminação com base na orientação sexual. Você pode ser discriminado na escola, no trabalho.” Sem uma política central nesse sentido, o tratamento nas escolas depende da posição dos profissionais da educação em relação ao homossexualidade e a homofobia ocorre entre eles, diz ela.

“Se é claro que em algumas escolas a orientação curricular e a formação pessoal dos educadores ajudam a um ambiente amigável e acolhedor das diferenças, sejam elas quais forem, também é verdade que em outras escolas acontece o contrário”, diz Isabel Advirta, da ILGA-Portugal.

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