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Diogo Bastos: Mariana X Paris: Quem importa mais?
Ficamos chocados com o rompimento de duas barragens que serviam para represar os rejeitos de atividades mineradoras, como resíduos, impurezas e material usado na lavagem dos minérios, em Mariana, Minas Gerais, administradas pela empresa Samarco, controlada pela maior mineradora do mundo a Vale do Rio Doce e a australiana BHP. Pessoas morreram e diversas cidades ao longo do trajeto do Rio Doce, que usufruíam diretamente de suas águas foram afetadas pela lama tóxica que a barragem deixou escapar, em uma onda de destruição, deixando inclusive uma comunidade dos índios Krenak completamente desprovida de recursos para seu sustento. Os índios ocuparam uma das ferrovias da região e disseram que só sairão mediante conversa com os responsáveis pelo desastre acerta de planos para a recuperação do rio e seu ecossistema.
A lama tóxica que as barragens ainda liberam passa destruindo o ecossistema do rio, matando milhares de peixes que eram o sustento das populações pescadoras locais, o que gerou uma ação denominada “Arca de Noé” iniciada pelos próprios pescadores do rio, por grupos de Whatsapp, para tentar salvar os peixes que, devido ao adensamento das águas do Rio Doce, estão ficando sem oxigênio, levando-os para lagoas ao redor e assim minimizar os impactos na região. A Presidente Dilma visitou as cidades da região e anunciou uma multa de R$250 milhões para as mineradoras envolvidas na administração da barragem. Ao mesmo tempo, especialistas afirmam que o ecossistema do Rio Doce está “morto” e que serão necessários em torno de 10 anos para que ele se recupere, contando com a ajuda dos afluentes para a limpeza e remoção da lama e dos resíduos tóxicos de suas águas.
Alguns dias após esse desastre nacional, Paris foi vítima de um ataque terrorista, organizado por uma célula europeia, baseada em Bruxelas, do autodenominado Estado Islâmico, com a explosão de artefatos que jihadistas traziam no corpo, para o jogo entre França e Alemanha, no “Stade de France”. 122 morreram e 300 ficaram feridas, entre elas brasileiros, em uma clara mudança de comportamento do autodenominado Estado Islâmico, que sofre ataques diários da coalisão comandada pelos EUA, e agora não mais foca somente na conquista e consolidação de seu poder em novos territórios, porém estimula que suas células que já estão infiltradas em solo europeu, atuem para atacar pontos estratégicos diretamente na Europa. Essa mudança se deve a uma maior dificuldade de jihadistas conseguirem entrar na Síria, devido a um maior controle das fronteiras nos países da região, o que torna maiores as chances de um membro que seguiria para o país para receber treinamento, consiga ser descoberto.
Os ataques em Paris geraram uma campanha na internet com várias pessoas colocando a bandeira da França como pano de fundo de seus perfis no Facebook e levou uma parte da rede a criticar essa ação, pela falta de interesse no desastre em Mariana e uma “preferência” da mídia em expor os ataques no estrangeiro, mas não cobrirem devidamente o sofrimento de populações locais. Podemos, obviamente, desvendar a lógica que existe por trás disso. A França, ex-potência colonial e mundial,
um dos países mais ricos e poderosos do mundo, nação que inspira o mundo pela sua história, sua cultura, país europeu sendo um dos berços de nossa sociedade e um dos centros do mundo, provavelmente receberá mais atenção midiática do que um acontecimento interno de má administração e negligência em um país periférico, ex-potência ascendente, nação sul-americana em crise econômica e política, que possui uma cultura que preza mais pela exaltação do estrangeiro do que por sua própria, o que muitos chamam de “síndrome de vira-lata”. Não podemos deixar de mencionar o descaso da grande mídia com o que acontece diariamente em diversos países na África, o que acontece com a própria Síria e outras populações de países da região do Oriente Médio, não inspirando nenhum tipo de ação coletiva na internet. Isso sem falar na possível relação que a mídia possui com as empresas envolvidas na administração da barragem, mineradoras com grande poder econômico e grandes financiadoras de campanhas eleitorais, a quem os R$250 milhões em multa pelo desastre ambiental não supera o montante de doações para campanhas políticas na última eleição.
Infelizmente, parece que nos dois cenários narrados neste texto, o que menos se levou em consideração foi a vida humana. Independente de se foi em Mariana, no coração de nossa pátria ou em Paris, o desastre natural e o desastre humano são exemplos do descaso que se tem pela vida das pessoas. A negligência na conservação de uma barragem que segurava resíduos tóxicos e a punição baixíssima para o ocorrido mostra que as empresas envolvidas não estavam muito interessadas nas consequências de que poderia ocorrer o desastre que foi noticiado e governo não quer ter uma parte de seu financiamento comprometido caso decida por uma punição mais rigorosa. O autodenominado Estado Islâmico, em suas ações extremistas, por defender uma visão que é criticada e negada dentro do próprio Islã, não se importa com a vida das pessoas a quem eles atacam, nem a vida das pessoas às quais as reverberações de seus ataques irão atingir. Governos eurocéticos e de direita já levantaram voz de que irão endurecer as políticas de acolhimento de asilados. Ao mesmo tempo, o grupo terrorista se aproveita de uma busca desesperada das famílias que fogem do conflito por paz e uma nova chance de seguirem com suas vidas para infiltrar seus militantes entre aqueles que pedem asilo e levam à sociedade europeia a temer os refugiados e é possível que uma onda contra a aceitação do pedido de refúgio torne este cenário que já era complexo ainda mais difícil de se harmonizar.
Novamente, não olhamos para as pessoas que sofreram e sofrem com os desastres e apenas nos criticamos, nos atacamos, damos preferência para uns em detrimento de outros abrindo caminho para que ataques e desastres do tipo que foram falados aqui apenas tenham suas consequências potencializadas. Viramos nossas caras para aqueles que precisam de ajuda enquanto nos digladiamos sobre quem deve sofrer e quem deve receber solidariedade. Enquanto isso, o que deveria importar, ou seja, a união em correntes de ajuda sem ver lados, religiões, políticas e geografia vão se esvaindo, da mesma forma que a vida no Rio Doce, a esperança de salvação daqueles que fogem de conflitos e a esperança de paz no seio das sociedades. Levantemos, pois todas as bandeiras, coloquemos todas as cores na rede, façamos correntes de ajuda aonde pudermos, para quem pudermos, lembrando que no final, não somos apenas brasileiros, franceses, cristãos, muçulmanos, ricos ou pobres, ex-metrópoles ou ex-colônias, centro ou periferia, porém seres vivos que não chegarão muito mais longe se começarem a preferir uns a outros. Todos os desastres devem
receber igual atenção midiática, igual atenção do público e igual preocupação, independente de onde tenham ocorrido. Que ao invés de Mariana x Paris, possamos dizer Mariana e Paris, numa união mundial em torno desse tema e de todos os outros que assolam a vida de seres vivos ao redor de nosso lugar comum e até onde podemos, no momento, alcançar, o planeta Terra.
* Diogo Bastos é internacionalista, trabalha na área de expatriados e estuda as questões políticas globais.
** As opiniões apresentadas nesse artigo são de responsabilidade do seu autor.