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Severine Macedo e Bruno Elias: A questão da idade no Estatuto da Juventude
* Por Severine Macedo e Bruno Elias
Dispostos a não comemorar o aniversário de 10 anos de tramitação do projeto, a Secretaria Nacional de Juventude e o Conjuve têm reivindicado sua aprovação como uma das prioridades do ano de 2013. Articulados nas ruas e nas redes, as organizações e movimento sociais também incluíram a aprovação do Estatuto entre as reivindicações da jornada de lutas da juventude, a ser realizada nos próximos dias em todo o Brasil.
O Estatuto da Juventude será uma inédita declaração de direitos singulares e universais dos jovens. Além disso, apontará as diretrizes e princípios das políticas públicas de juventude e a identificação da população que será contemplada como jovem no país. Aliás, é neste último ponto que reside uma das polêmicas em torno do projeto, que é definir qual faixa de idade deveria ser compreendida pelo Estatuto da Juventude.
Ao longo destes últimos nove anos em que o Estatuto da Juventude tramitou na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, firmou-se um entendimento de que a população jovem compreenderia as pessoas com idade de 15 a 29 anos. Compreensão semelhante orientou o governo federal a sancionar a Lei 11.129/2005, que criou a Secretaria e o Conselho Nacional de Juventude, com responsabilidades sobre as políticas públicas voltadas “aos jovens na faixa etária entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos, ressalvado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.”
Nos debates recentes sobre o Estatuto da Juventude, a questão da idade despertou polêmica sob dois aspectos. Por um lado, questionava-se o limite de idade até 29 anos, considerado extenso por alguns. Em resposta a tais observações, verificou-se que esta compreensão ampliada da juventude se justifica por fenômenos sociais contemporâneos que incidem no alongamento da condição juvenil, em parte pela necessidade de estender o tempo de escolaridade e formação profissional, mas também pelas dificuldades de inserção da atual geração de jovens no mundo do trabalho e em outras dimensões da vida adulta.
Por outro lado, o reconhecimento dos indivíduos de 15 a 18 anos como jovens pelo Estatuto da Juventude tem despertado dúvidas e preocupações no campo da política da criança e do adolescente, que teme pela sobreposição entre esta e a política de juventude e por retrocessos no debate sobre a maioridade penal.
Para tentar dirimir essa preocupação, a SNJ e o Conselho Nacional de Juventude têm apresentado nos seus documentos uma proposta de emenda ao projeto do Estatuto da Juventude, que dá maior nitidez ao alcance da lei, deixando expresso que os direitos e políticas de juventude são complementares ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Caso esta proposta seja acolhida, o Estatuto da Juventude teria tal ressalva desde o seu primeiro artigo:
“Art. 1º (…)
§ 1º Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos.
§ 2º Os direitos assegurados aos jovens nesta Lei serão interpretados de forma complementar e nunca em prejuízo do disposto para os adolescentes na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e Adolescente.”
A proposta de emenda apresentada também é justificada pelo foco diferenciado que tem o Estatuto da Juventude em relação aos direitos e políticas públicas da criança e do adolescente. Enquanto a abordagem do ECA tem como diretriz a “doutrina da proteção integral”, o princípio que orientaria o Estatuto da Juventude seria o da promoção da autonomia e emancipação do jovem.
Esta diversidade conceitual e o caráter complementar entre os dois Estatutos também podem ser observados em um exercício de comparação entre os direitos já garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e a declaração de direitos proposta pelas emendas da Secretaria e do Conselho Nacional de Juventude.
No artigo 4º do ECA, estão garantidos como direitos das crianças e adolescentes os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Nas propostas da SNJ e do Conjuve, por sua vez, constariam no Estatuto da Juventude os seguintes direitos singulares e universais: direito à participação; à educação; à profissionalização, ao trabalho e à renda; à diversidade e à igualdade; à saúde; à cultura; à comunicação e à liberdade de expressão; ao desporto e ao lazer; à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; ao território e à mobilidade; à segurança pública e ao acesso à justiça.
Em relação a eventuais repercussões no debate sobre a maioridade penal, é preciso registrar que além da ressalva de que os direitos da juventude não implicariam em prejuízo ao ECA, o PLC 98/2011 não dispõe sobre matéria penal em nenhum de seus artigos. De igual maneira, tanto a garantia constitucional de inimputabilidade aos menores de 18 anos quanto as medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não são tratadas pelo Estatuto da Juventude.
Cabe registrar ainda que na aplicação concreta das políticas públicas de juventude e da criança e do adolescente, a coexistência entre ambas já ocorre sem sobreposições ou prejuízo na atuação dos órgãos gestores e de controle social. No âmbito dos municípios, dos estados e da União, tanto as áreas de governo quanto os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares convivem com responsabilidades e atribuições diferenciadas em relação aos Conselhos de Juventude.
A partir de tal entendimento, os direitos da juventude não devem ser vistos como sobrepostos aos direitos da criança e adolescente. Em especial os jovens com idade entre 15 e 18 anos, vulneráveis por uma série de determinantes sociais, precisam mais do que ninguém da complementaridade das duas dimensões de direitos: tanto os direitos voltados a proteção integral, garantidos pelo ECA, quanto os direitos de participação, autonomia e emancipação, previstos pelo Estatuto da Juventude.
Ao tratarmos de direitos relacionados a fases da vida, devemos considerar que a juventude e a adolescência são construções históricas e sociais referenciadas em cada época e cultura. Embora os limites etários sejam de grande utilidade para o foco das políticas públicas, na vida concreta de adolescentes e jovens estas fronteiras não são tão rígidas ou homogêneas.
Na prática, a legislação brasileira já reconhece a complexidade da fase dos 15 aos 18 anos para a trajetória do indivíduo. É neste momento de transição entre o final da adolescência e os primeiros anos da juventude que se situa aos 16 anos a idade mínima para o trabalho (salvo em condição de aprendiz, a partir dos 14 anos); em geral, é dos 15 aos 17 anos que se projeta a conclusão regular da Educação Básica; a Constituição Federal permite o voto facultativo aos 16 anos e a partir dos 18, o jovem alcança a maioridade civil e penal.
Com tantas questões envolvidas, a leitura desta breve polêmica não deve ser entendida como uma disputa entre os defensores dos direitos da criança e dos adolescentes, de um lado, e o campo das políticas de juventude, do outro. Ao contrário, trata-se de um debate qualificado entre ativistas, conselhos, movimentos sociais e gestores públicos que estão historicamente unidos na defesa dos direitos das novas gerações no Brasil.
A riqueza desta discussão tem evidenciado o compromisso de setores representativos da sociedade com a ampliação de direitos dos adolescentes e jovens, a partir de pontos convergentes como a plena aplicação do ECA, o aperfeiçoamento e aprovação do Estatuto da Juventude ainda no ano de 2013 e a posição contrária à redução da maioridade penal.
Reconhecendo as políticas de juventude como políticas de Estado, para além da transitoriedade dos governos, o Estatuto da Juventude também completaria, ao lado do Estatuto da Criança e Adolescente e do Estatuto do Idoso, o primeiro ciclo de leis que garantem direitos geracionais no Brasil. Portanto, a mobilização da sociedade e do Congresso Nacional para sua aprovação são passos ousados de uma caminhada ainda maior pela garantia de direitos no país.
Severine Macedo é Secretária Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República
Bruno Elias é secretário-executivo do Conselho Nacional de Juventude
bom dia,O Governo Federal deveria criar setores de políticas de prevenção de riscos para a juventude na fase educacional, com orientação, conhecimento e mudança no seu comportamento para o futuro da nação.