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Em Magé o medo é o espiríto da Copa
O espírito da Copa do Mundo me bateu dois dias atrás em mensagens e telefonemas enquanto eu vinha no ônibus de Niterói pra casa. Amigos e parentes perguntavam onde eu estava com muita preocupação. Depois eles me pediram pra ter cuidado: a chapa estava quente em Magé. A pacificação na cidade do Rio tem significado o fim da paz pra nós em Magé.
“Onde você está?”, minha irmã me perguntou pelo WhatsApp. “No ônibus Niterói-Magé”, respondi. Eu vi que ela tinha me mandando outras mensagens quando o telefone tocou.
O telefone tocou porque meu primo me ligou preocupado tentando me avisar. Ele tinha ligado umas cinco vezes até que eu finalmente ouvi.
Ele também tinha me mandado uma mensagem: “Tá tenso. Se quiser você pode dormir aqui em casa”, ele sugeriu já que mora num lugar tranquilo da cidade.
Eu decidi ir pra casa mesmo assim.
A vizinhança aqui de casa estava muito quieta (nem sempre um bom sinal) para quela hora da noite, mas eu andei tranquilo pra casa.
O mesmo não dá pra dizer das pessoas que moram do outro lado da linha do trem que fica a menos de 500 metros aqui de casa.
Quem mora “lá dentro” tem tido que lidar com um aumento doido de conflitos armados e assassinatos no bairro.
Desde que eu cheguei da Finlândia há duas semanas atrás, pelo menos duas pessoas foram mortas (incluindo o policial dois dias atrás) e alguns foram feridos.
O número chega a uma dúzia ou mais se contar desde Julho do ano passado.
Nas minhas conversas, as pessoas parecem sentir que a violência também é um efeito colateral dos preparativos pra Copa e Olimpíadas.
Pra essas pessoas, a razão por trás da violência na cidade é o programa das UPPs que foi criado para reduzir a violência do tráfico na cidade do Rio.
A ideia da UPP é simples e problemática ao mesmo tempo.
Pra “pacificar” algumas favelas, a polícia invade e ocupa territórios controlados por grupos criminosos. É uma forma de reverter a negligência histórica do governo sobre as favelas.
Mas desde quando o programa foi lançado em 2008 as UPPs tem acima de tudo forçado traficantes a migrar para áreas periféricas que continuam negligenciadas por governos.
Tipo Magé.
Enquanto a vida nos centros comercial e turístico da cidade do Rio parecem mais calmos, lugares como Magé parecem ter perdido a paz.
As pessoas com as quais eu converso em Magé (incluindo policiais) acreditam que os governos estão escondendo o crime dos turistas e “pacificando” para moradores de bairros abastados.
Por isso que a Copa do Mundo se tornou uma explicação comum para o aumento de tiroteios, roubos e assassinatos em Magé.
Enquanto os governos e a mídia super-patrocinada celebram a Copa do Mundo, o que eu sinto nas conversas é que talvez teria sido melhor não ter ganho a Copa no fim das contas.
Aqui em Magé o espírito da Copa é contraditório: a paixão pelo futebol continua, mas essa paixão parece minada pelo medo da violência.
A Copa é no Brasil. Mas pra maioria em Magé ela vai ser mais um evento televisivo.
A diferença dessa para as outras copas é que agora pessoas estão morrendo por causa de uma política de segurança criada pra “pacificar” a cidade do Rio para os jogos.
O medo da violência em Magé e outras periferias é uma descrição mais realista do ambiente local do que a alegria pelo futebol que vemos na TV três semanas antes da Copa.
Fonte: Blog Léo Custódio
Leonardo Custódio é mestre em Ciências Sociais e doutorando em Comunicação, Universidade de Tampere, Finlândia. Atualmente pesquisa os aspectos offline do ativismo através da Internet feito por jovens moradores de favelas do Rio de Janeiro.