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A economia solidária como forma de assegurar o direito ao trabalho decente
Conforme definição da OIT (Organização Internacional do Trabalho), trabalho decente é aquele que garante uma vida digna a todas as pessoas que vivem do trabalho e a suas famÃlias.
Vale ressaltar que o direito ao trabalho decente, como direito humano fundamental, é garantido tanto pela justiça natural como também pelos dispositivos constitucionais, suas violações ocorrem por razões polÃticas e econômicas e não por deficiências jurÃdicas. No modo de produção capitalista, onde a exploração é o seu fator motor, como garantir esse direito?
Criou-se uma impressão de que a única forma de produzir é a forma capitalista, um contexto polÃtico e social em que as outras possibilidades de organização da economia deixam de existir como alternativa visÃvel, dando a impressão geral de que o mercado é apenas o mercado capitalista e que não há outras formas de fazer circular as riquezas.
Acontece que o mercado é um conjunto de instituições cuja finalidade é a troca de mercadorias e este fenômeno já existia antes mesmo do modo de produção capitalista existir, porém hoje fala-se de economia de mercado como sinônimo do capitalismo, como se a humanidade perdesse a capacidade de evoluir no que se refere ao mercado.
O capitalismo é apenas um dos modos de produção possÃvel e nada impede que dentro desse sistema se desenvolvam relações de produção de outro tipo como o germe de um futuro modo de produção que o substituirá. As relações de trabalho e, por conseguinte, o direito ao trabalho, são construções históricas determinadas e condicionadas pelo modo de produção no qual estão inseridos e quando se propõe mudar o modo de produção está se propondo também mudar os referidos direitos.
Neste sentido surgem experiências na construção de propostas alternativas, como os empreendimentos da economia solidária, que tem como caracterÃsticas essencial a autogestão e a solidariedade na distribuição dos resultados obtidos, se contrapondo ao princÃpio da competição como estÃmulo de desenvolvimento propondo a cooperação como regra.
As mais conhecidas formas de economia solidária são as associações e cooperativas, porém outras formas existem e vão surgindo mais experiências exitosas a cada dia, empreendimentos onde as relações de trabalho, de produção e de circulação de mercadorias se caracterizam pela solidariedade e não a forma jurÃdica da empresa.
Podemos observar que o eixo central dos empreendimentos da economia solidária é a autogestão e a propriedade coletiva dos meios de produção, obtendo resultados que serão distribuÃdos para todos os seus participantes, todos os envolvidos na produção, uma vez que todos são, por definição, proprietários da empresa. Na empresa solidária todos são proprietários e todos trabalham, logo a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção.
Esta compreensão conduz ao entendimento de que a economia solidária não é um complemento ao sistema capitalista, mas uma alternativa a este sistema, como construção de um novo modo de produção, não capitalista, um modo de produção solidário. Assim sendo a economia solidária implica necessariamente em uma nova polÃtica e um novo direito, cujos fundamentos devem ser coerentes com o novo sistema de produção e distribuição das riquezas. Na medida em que os empreendimentos solidários asseguram o direito ao trabalho de todos os que dele participam, é de se presumir que em um sistema econômico, ou modo de produção, no qual predomine este tipo de empresa o direito ao trabalho decente esteja assegurado para todos.
Se entendemos que o direito ao trabalho decente ainda não está assegurado para todos em função de uma correlação de forças polÃticas especÃfica, e que está correlação de forças se expressa pelo modo de produção e mercado capitalista, para ser universalizado, este direito, depende da superação do mercado capitalista, colocando-se em seu lugar um mercado fundamentado na cooperação e na solidariedade.
Se o trabalho decente é aquele que garante uma vida digna a todas as pessoas que vivem do trabalho e a suas famÃlias, ora, este é exatamente o objetivo das organizações de economia solidária. Logo, é da natureza deste tipo de organização econômica a garantia do direito ao trabalho decente.
Afirmar que as polÃticas públicas de economia solidária devem ser um instrumento para combater a violação a este direito, implica em dizer que devem existir instrumentos capazes de assegurar o direito ao trabalho decente para todos, sendo a economia solidária um destes instrumentos, porém enquanto estivermos sob a hegemonia do liberalismo polÃtico, econômico e filosófico, o espaço para polÃticas públicas de economia solidária será sempre bastante limitado, ao ponto mesmo desta ser confundida com polÃticas compensatórias ou complementares ao capitalismo
O direito ao trabalho, conforme consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos é tão importante quanto o direito à liberdade civil, pois a liberdade será sempre precária quando não se tem o direito ao trabalho, e o direito ao trabalho, como direito humano, somente pode ser entendido como direito ao trabalho decente.
A questão central do trabalho decente envolve a hegemonia do sistema capitalista e da cultura ocidental fundada na democracia de tipo liberal, pois ambos desprezam as potencialidades humanas ao reduzir o trabalho a uma atividade subordinada à produção de mercadorias. É necessário romper esta barreira e considerar o trabalho como um direito de transformar a natureza e a si próprio, seja através da ação individual ou da ação coletiva, percebendo-se que a universalização do direito ao trabalho decente é uma condição necessária para a existência da dignidade humana.
Devemos observar, ainda, que o direito ao trabalho decente se articula com o direito ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, pois não podemos ser obrigados a adotar um determinado sistema produtivo e um determinado modo de vida, tendo por fundamento a necessidade de fazer circular as mercadorias e a elevação do consumo como sinônimo de elevação da qualidade de vida.
A perspectiva de universalização do direito ao trabalho decente também exige uma nova concepção de cidadania e de democracia, pois a hegemonia da cultura ocidental nos leva a confundir estes conceitos com os direitos polÃticos individuais, negando a cidadania coletiva e a democracia participativa em todas as esferas sociais, inclusive dentro do chamado mundo do trabalho.
Por fim registramos aqui que nem todo desenvolvimento econômico pode ser considerado como um desenvolvimento humano, pois quando o desenvolvimento é realizado para atender pressupostos do mercado, violando direitos e agredindo o meio ambiente, não se trata de desenvolvimento, mas de uma polÃtica de mercado, capitalista, em detrimento do próprio direito de desenvolvimento dos povos.
Assim, o direito ao trabalho decente jamais pode ser efetivado como um direito isolado, seja pelos próprios fundamentos da indivisibilidade dos direitos humanos, seja porque, neste aspecto, a organização da economia interfere diretamente na efetividade ou não deste direito.
* Wenderson Gasparotto – Wend, é tesoureiro da Unisol São Paulo e conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do estado de São Paulo – CONDEPE-SP
** As opiniões apresentadas nesse texto são de responsabilidade do seu autor.
Parabéns pelo texto, muito relevante e de certo modo motivador pois coloca a economia solidária de caminha real e possÃvel.
As discussões e os esclarecimentos colocados saem do senso comum e trazem reflexões importantes e necessárias se queremos trilhar um caminho de mudança e construir uma sociedade pautada nos direitos e na igualdade.