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Daniel Vaz: Queda das matrículas no ensino superior privado não é só culpa da crise
Foi apresentado nessa terça-feira, 29/3, os resultados de um estudo sobre a situação atual do ensino superior, realizada pelo Instituto Data Popular a pedido do Semesp (Sindicato das Mantenedoras do Ensino Superior de São Paulo), que teve como público-alvo pessoas que ainda não ingressaram na vida universitária, com ensino médio concluído e estudantes da chamada Classe C, aqueles que as instituições entendem como o principal segmento entre os 20 milhões de “potenciais alunos universitários” disponíveis no mercado.
O Brasil possui atualmente 17% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados ou que já concluíram um curso superior, índice bem distante dos cerca de 30% recomendados pela OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, mas reconhecidos como parte do importante avanço ocorrido durante a última década, epecialmente, fruto dos programas estatais de financiamento estudantil e o expressivo aumento de vagas nas instituições públicas. No entanto, o Plano Nacional de Educação estabeleceu como meta a elevação desse número para 33% até o ano de 2024, algo impossível de se alcançar se mantivermos esse nível de ingresso e características de expansão.
Surge dessa pesquisa um cenário bastante preocupante, com destaque para 4 itens: a impossibilidade do acesso às faculdades e universidades gerada pela crise econômica que estamos vivendo no país, o excessivo pragmatismo da grande maioria desse público sobre o que essas instituições podem lhes oferecer como benefícios, a dependência dos programas públicos de financiamento estudantil para a facilitar a entrada de pessoas no ensino superior e a dependência exagerada dessas instituições dos recursos públicos para o seu funcionamento, a ponto de financiar o estudo sobre o tema e realizar evento para debater especificamente os resultados do estudo encomendado.
Outro dado alarmante levantado pela pesquisa é que sequer a metade das quase 41 milhões de pessoas que já completaram o ensino médio no país pretendem ingressar no ensino superior. Entre aqueles que mantém o interesse, somente 37% planeja iniciar no ano que vem. A entrada na universidade não é, infelizmente, um passo entendido como natural para a maior parte desse contingente, e as consequências desse desinteresse e/ou falta de oportunidades concretas para o alcance desse objetivo são prejudiciais não apenas a quem toma tal atitude, mas para toda a sociedade brasileira, que deixa de desfrutar de profissionais intelectualmente mais preparados para ocupar de maneira qualificada postos nas empresas e na vida pública. O talento humano aprimorado pelos estudos é o combustível fundamental para qualquer atividade que desenvolvemos, e parece que ele anda em falta, lamentavelmente, atrapalhando de maneira substancial o desenvolvimento do país.
A impressão de que a vida melhoraria com o ingresso no ensino superior foi registrada por 98% dos entrevistados, e 89% deles acreditam que só é possível progredir na vida como muito estudo. Mais da metade do público pesquisado, 54%, espera ingressar na universidade com auxílio do Fies e apenas 44% declararam pretender ir à faculdade com recursos próprios ou familiares
Seis em cada dez estudantes universitários do Brasil trabalham e estudam, o que eleva a dificuldade de dedicação aos estudos, por conta dessa dupla jornada. Sobre os objetivos ao assumir esse compromisso de médio/longo prazo, a grande maioria busca melhorar o currículo e facilitar o processo de ascensão social. O desenvolvimento pessoal é o interesse de uma minoria, algo meio supérfluo diante da busca de alcançar bons salários que possam adquirir representações de conforto material que demonstrem o êxito individual alcançado. Ter é melhor do que ser, essa é a regra seguida.
É válido de registro crítico a posição das instituições privadas de ensino superior, que por muitos anos tiveram um cenário ideal para bancar seus custos, fazer investimentos e aumentar o lucro dos seus proprietários e acionistas, tudo isso através do período de bonança econômica e do dinheiro relativamente fácil gerado pela “compra” de vagas nessas instituições pelo governo federal através dos recursos advindos dos programas públicos de financiamento estudantil.
Durante esse período, houve também uma excessiva concentração das instituições de ensino superior em alguns poucos conglomerados educacionais, que buscaram maximizar seus lucros a custo do pagamento de baixíssimos salários aos professores, diminuição radical de horas de trabalho desses profissionais, demissão de mestres e doutores, precarização de processos pedagógicos, como a utilização sem critério do ensino à distância como método de ensino, entre outras medidas que transformaram grande parte dessas instituições em empresas do mercado de educação, praticamente como uma versão de “colégios de 3º grau”.
Esse seria o momento de buscar soluções “de mercado” para o problema de queda de matrículas que vem enfrentando, e não apenas focar a inadimplência e evasão como causas da diminuição do número de matrículas. Seriam alternativas a esse quadro a criação de programas próprios de financiamento de estudantil, construção de outros diferenciais competitivos que não sejam apenas o preço das mensalidades, ações integradas de estudos aliados a estágios remunerados, a oferta de programas de educação continuada para empresas e poder público, parcerias com a iniciativa privada para pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, investimento em qualidade do serviço que prestam e a redução das suas margens de lucro, apenas como exemplos de iniciativas possíveis.
No entanto, parece que as instituições estão preferindo lamentar e culpar a crise econômica pelos seus problemas, ao invés de defender o modelo privado de educação que oferecem não apenas quando lhes é conveniente, resguardando, é claro, poucas e honrosas exceções.
* Daniel Vaz é publicitário, Mestre em Comunicação, fundador da ONG Opção Brasil, representando a mesma na Secretaria Executiva da Seção Brasileira de Participação Social da Unasul – União Sul-Americana de Nações, e Mercosul – Mercado Comum do Sul. Desempenha também as funções de Coordenador-geral da UNIJUV – Universidade da Juventude e de Vice-presidente da AUALCPI – Associação das Universidades da América Latina e Caribe pela Integração.
** As opiniões apresentadas nesse texto são de responsabilidade do seu autor.
*** Com informações do Semesp e Folha de São Paulo