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“Nuit Debout”: uma juventude francesa revoltada, mas esperançosa
Desde o dia 31 de março, milhares de jovens franceses se reúnem todas as noites na Place de la République, centro de Paris, para a maior mobilização da juventude francesa em várias décadas: a Nuit Debout. O nome da manifestação, algo que poderia ser traduzido como “em pé a noite inteira”, define bem a intenção do ato: os jovens passam a madrugada reunidos no local em sinal de protesto. Uma juventude revoltada, mas que renovou as esperanças ao ganhar voz e espaço com o movimento.
Faça chuva ou faça sol, há mais de duas semanas, a partir das 18h, a Place de la République começa a lotar. Estudantes e jovens saem das escolas, das universidades e do trabalho e se dirigem ao local que se tornou ícone das mobilizações francesas. E lá passam toda a noite e a madrugada,em um ato frequentemente comparado ao Movimento dos Indignados, que ocupou a região da Porta do Sol, em Madri, em 2011, ou o Occupy Wall Street, também em 2011, nos Estados Unidos.
Na França, a mobilização dos jovens começou com os protestos contra a reforma da lei trabalhista, no início de março, proposta pela ministra do Trabalho, Myriam El Khomri. Estudantes parisienses, tanto do ensino médio quanto universitários, aderiram em massa às manifestações convocadas por sindicatos de trabalhadores.
De coadjuvantes, os jovens passaram a protagonistas da mobilização. Eles ganharam as ruas das principais cidades francesas e decidiram não ceder, mesmo diante de uma violência policial que passou a ser regra nas manifestações.
Preocupado com o crescimento da mobilização, o governo tomou a iniciativa de chamar as lideranças estudantis para dialogar. Após várias reuniões, os jovens conseguiram, junto aos sindicatos, modificar alguns dos artigos do projeto de lei.
Das ruas para a praça
Mas a tentativa, por parte do governo, de apaziguar a tensão junto aos estudantes não deu certo. Indignados com a insistência dos socialistas em dar continuidade à reforma, os jovens decidiram dar uma nova dimensão à mobilização ocupando a Place de la République no dia 31 de março, depois de uma grande manifestação nacional contra o projeto de lei El Khomri.
O ato foi inicialmente elogiado pelo governo, que não imaginava que ele perduraria. Depois de alguns dias, os estudantes começaram a ser advertidos pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, para quem a Place de la République não pode ser ocupada permanentemente. No último domingo (10), a praça foi esvaziada pela polícia, mas, na noite seguinte, mesmo sob chuva, os jovens deram continuidade à Nuit Debout. Os manifestantes prometem deixar o local apenas quando o governo desistir da reforma trabalhista.
Em pé a noite inteira
A movimentação começa no final da tarde. Ao redor do monumento da Marianne, símbolo da república francesa, milhares de jovens se reúnem. Franceses de diferentes faixas etárias participam da mobilização, acompanhada também por muitos curiosos que não se identificam obrigatoriamente ou até que não conhecem a causa.
“Desci com uma amiga no metrô République e descobrimos a manifestação por acaso. Decidimos ficar para saber como ela acontece, mas ainda não tenho uma opinião formada”, diz uma jovem francesa, que não quis se identificar.
Como ela, muitos passeiam pela praça e descobrem os diferentes setores da Nuit Debout. Grupos de debates temáticos se espalham pelo espaço: feminismo, ecologia, economia, entre outros que se formam ao longo da noite. O movimento também conta com uma biblioteca, uma estação de rádio e uma cantina solidária.
O maior espaço, onde centenas de jovens se reúnem para o debate político, é a principal atração da Nuit Debout. Em uma tribuna instalada no início da praça, os jovens fazem fila para falar e lançar discussões sobre a política francesa e o próprio movimento. A plateia, sentada no chão, acompanha atentamente os debates e interage por meio de gestos que indicam concordância ou oposição.
Decepção com o governo domina as discussões
Em um ambiente mais festivo, nos arredores da praça, também são realizados shows, muitos dançam, encontram os amigos, bebem cerveja e vinho. As conversas, no entanto, parecem não mudar de tom, revolta e decepção com o governo. O grupo se orgulha de fazer parte de um movimento que alcançou uma amplitude só vista em Maio de 1968 e que se estende agora por toda a França. Várias outras cidades do país vem aderindo à Nuit Debout.
“Estamos aqui especialmente contra a lei do trabalho. Mas a Nuit Debout é um movimento de cidadania. Nos reunimos aqui também porque achamos que somos capazes de mudar o sistema e de fazer frente às injustiças em nosso país. Há cada vez mais pobres na França e, ao mesmo tempo, com os Panama Papers, por exemplo, ficamos sabendo de franceses que têm tanto dinheiro que são obrigados a escondê-lo no exterior”, diz a estudante do ensino médio Eva, que participou de todas as manifestações desde o dia 31 de março.
O empreendedor social Idris participou de duas Nuits Debout e ressalta a importância da manifestação para os franceses. “O povo tem necessidade de se expressar. Eu vim até aqui saber de que forma podemos ganhar voz como cidadãos”, diz, ressaltando a esperança de que o movimento perdure e que traga propostas aos atuais problemas enfrentados pela sociedade francesa.
Movimento é educação política para os franceses
Já para o ator Jean-Damien, o principal ponto da Nuit Debout é que a mobilização mostra que a democracia pode ser construída pelo povo, sem a interferência dos políticos. “Mesmo que o ato não traga resultados concretos logo, esse tipo de movimento educa politicamente os franceses. Hoje as pessoas vêm aqui debater, discutir e refletir como cidadãos, dentro de uma iniciativa organizada por nós mesmos”, comemora.
Jean-Damien foi à Nuit Debout com o amigo, o também ator Robin, que afirma jamais ter acreditado no governo Hollande. “Eu estava decepcionado antes mesmo dos socialistas assumirem o poder”, conta.
Sua principal esperança, diz, é no povo francês. “Tudo o que acontece todas as noites aqui, nossos debates, reflexões e discussões, nos fazem crescer. Sabemos que para que as mudanças aconteçam precisamos de tempo. Mas eu não tenho dúvidas de que nossos ideais avançam aqui”, completa.
Fonte: RFI – França