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RFI: Juventude está cansada dos velhos políticos no mundo todo
Por Alfredo Valladão – Rádio França Internacional
Na América Latina, os referendos revocatórios, destituições constitucionais ou pedidos de impeachment, tem pouco a ver com “golpes” e muito com uma exaustão dos modelos de democracia representativa. Num mundo conectado, informado e urbanizado, a paciência dos cidadãos para com os desmandos de seus representantes políticos está se esgotando rapidamente
A idéia de que basta votar cada quatro anos para entregar o poder para um partido ou um líder, e ficar agüentando administrações incompetentes e corruptas, está perdendo fôlego. O eleitorado não quer só resultados benéficos e tangíveis (ou, no mínimo, o sentimento de que as coisas estão bem encaminhadas). Quer também maior participação: maior possibilidade de propor idéias novas, corrigir rumos e trocar os responsáveis ineptos. É profunda a crise de confiança nas lideranças políticas – direita, esquerda e centro juntos no mesmo saco.
O fenômeno não é só latino-americano. Na Europa e nos Estados Unidos, berços da democracia, está se criando um verdadeiro abismo entre as populações e seus representantes no Executivo e no Legislativo. Nos Estados Unidos, o Congresso é a instituição mais desacreditada na opinião pública. Na atual campanha presidencial, os únicos que mobilizam partidários entusiasmados são os candidatos mais marginais e radicais que denunciam todo o “establishment” político e empresarial do país. Bater na turma de Washington é o melhor trunfo eleitoral do momento.
Partidos tradicionais perdem força
Na Europa, os estamentos políticos nacionais estão se desagregando rapidamente. Na Espanha, os partidos tradicionais não conseguem mais governar sem acordos com dois novos movimentos políticos, Podemos e Ciudadanos, que angariaram milhões de votos de eleitores revoltados – sem falar nos diversos partidos independentistas que sonham em despedaçar o país. Na Itália – que há muito já sabe que o “país cresce de noite quando os políticos dormem” – o movimento “Cinco Estrelas” e as coalizões parlamentarias esdrúxulas são a nova “normalidade”.
Até na politizada e centralizada França, os partidos e líderes estão no fundo do poço (o presidente Hollande só tem 11% de boas opiniões). Uns vinte políticos – um record – estão tentando se candidatar para as eleições presidenciais de 2017, enquanto a juventude do movimento “A noite em pé” ocupa as praças do país em assembléias e discussões permanentes e “participativas”. Na Áustria, os candidatos a presidente dos partidos tradicionais, foram ultrapassados nas sondagens pelos ecologistas e os nacionalistas extremistas. Na Europa inteira, movimentos de extrema-direita ganham votos com discursos anti-sistema e mobilizações de jovens de esquerda – ou meramente cansados da velha política – procuram novas maneiras de representação, sem hierarquias e sem líderes.
Crise da democracia representativa é perigosa
Claro, esta crise da democracia representativa é perigosa. Quando as coisas descambam, as ditaduras nunca estão longe. Só que boa parte da cidadania, sobretudo as jovens gerações, já entendeu que o mundo mudou. Com a globalização das economias, a revolução tecnológica e a ubiqüidade das redes sociais, os governos e parlamentos nacionais já perderam boa parte de seus poderes. Hoje, nenhum governo, ou oposição, tem condições de prometer que vai resolver os inúmeros problemas sociais e econômicos do mundo que vem aí. A grande maioria dos cinqüentões e sessentões que ocupam o poder nem sequer entendem essa nova realidade. E a juventude conectada já possui poderosos instrumentos de comunicação e mobilização, sem precisar passar pelos partidos e líderes de sempre.
O maior desafio atual é inventar a organização social e política adaptada aos novos tempos. As formas representativas e as organizações econômicas tradicionais, e o estado de bem-estar social, são grandes conquistas, mas não dão mais conta do recado. Só os que vão ter que enfrentar essa nova realidade nas próximas décadas – a geração dita do “milênio” – possui os instrumentos para tratar esses problemas, para o bem ou para o mal (juventude não é garantia de sabedoria). Quanto à geração envelhecida dos baby-boomers, agarrada ao poder que nem carrapato, ela vai ter que aceitar – esperneando é claro – que seu tempo já passou. Senão, será “empeachada”, em tudo quanto é canto, pelos que vêm atrás.
Alfredo Valladão é do Instituto de Estudos Políticos de Paris