Infância e Juventude: prioridade absoluta

 

Desemprego, caos no trânsito, degradação ambiental são alguns dos problemas que assim como em outras grandes cidades, também castigam Fortaleza, capital do estado do Ceará. Entretanto, a má qualidade na educação e a violência são considerados os problemas mais gritantes e que convocam toda a sociedade a considerarem crianças, adolescentes e jovens como prioridade absoluta.

Risco constante

Ser jovem, especialmente na faixa etária entre 12 e 29 anos e morar na periferia de Fortaleza é estar na mira de fogo. A afirmação é do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2010. Esta mesma pesquisa classifica a capital cearense como a quarta cidade em assassinatos de jovens com idade entre 12 e 29 anos. A total falta de estrutura familiar e comunitária é responsável por entregar de bandeja crianças e adolescentes de periferia às drogas, ao tráfico e as gangues. Infelizmente, uma vez inserido neste meio, o destino deste público quase sempre é o mesmo: o extermínio. “Para os jovens daqui, sobreviver é uma conquista diária. Antes de tudo eles lutam para manterem-se vivos, longe da mira das armas de fogo e do tráfico”, afirma Edinaldo Souza, jovem liderança da Comunidade Kolping Santos Mártires, que já muitos conhecidos tentarem se proteger tarde demais.

 

Caos na educação

 

Mês de julho, muitos alunos e alunas encontram-se de férias para em seguida iniciarem o segundo semestre do ano letivo, certo? “Não! Em Fortaleza isso não está acontecendo. Nós começamos o primeiro semestre do ano letivo agora. Sabe lá Deus quando teremos e se teremos férias este ano”, desabafa Gabriela Julião, 11 anos, moradora do Bairro São Cristóvão, Fortaleza (CE). Junto com outras crianças do bairro, Gabriela foi prejudicada por uma greve dos professores municipais iniciada em 26 de abril.

A greve é apenas um dos reflexos de uma situação precária na educação pública. De acordo com o Sindicato Unificado dos Trabalhadores em Educação do Ceará (SINDIUTE), Fortaleza regrediu 67 posições no ranking que avalia o desempenho das cidades na alfabetização dos alunos. O Sindicato afirma que, em 2009, o município recebeu cerca de R$ 28 milhões de reais a mais em verba se comparado ao ano de 2008. Todavia, este aumento do montante repassado pelo FUNDEB não foi sentido pelos alunos que só retornaram das férias de 2010 no início do segundo semestre deste ano e mesmo assim, encontraram as escolas no mesmo estado ” tia.

A falta de estrutura das escolas e de segurança no ambiente escolar, por exemplo, ainda são problemas bastante presentes na vida dos alunos. Este mesmo aumento no repasse, também não refletiu na remuneração oferecida aos professores, que segundo eles, foi reajustada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), ou seja, metade do valor do repasse. Na contramão desta negociação, o parágrafo único, do artigo 5º, da Lei nº 11738/2008, impõe que a correção do piso tem que ser pela correção do aumento do repasse do valor aluno. Em meio a tais problemas milhares de crianças e adolescentes fortalezenses têm sua formação comprometida ano a ano.

Unidos pela garantia de direitos

Tendo estas duas áreas – violência e educação, como molas propulsoras é que atua a Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri (REAJAN). O grupo formado por organizações, lideranças e movimentos surgiu em 2006 com o intuito de tornar mais incidente a luta comunitária pela defesa de direitos “a gente via que tinha muitas organizações trabalhando sozinhas, cada uma com o seu público, no seu lugar. Então pensamos que se nos uníssemos em uma rede, nossa intervenção seria amais forte”, esclarece Manoel Santa, integrante da Coordenação da REAJAN.

Para esta Rede, a efetivação dos direitos de crianças, adolescentes e jovens é um dos alvos principais de sua luta. A REAJAN entende que lugar de criança é na escola e não como aviãozinho do tráfico “aqui em Santa Filomena, muitas crianças já trabalham como aviãozinho do tráfico com oitos anos de idade! É por causa dessa vulnerabilidade que a REAJAN considera a infância e juventude prioridade absoluta”, indigna-se Joana Darc uma das Coordenadoras da REAJAN.

 

Conquistando motivos para sorrir

 

Além da necessidade de trabalhar conjuntamente, um fato trágico motivou a criação da REAJAN. Entre meados de 2006 e fim de 2008, ou seja um período de um ano e meio 36 jovens foram assassinados no bairro de Santa Filomena. Os números que chocaram toda comunidade motivaram a criação da REAJAN e a atuação das organizações no controle social e na reivindicação por políticas públicas, “diante deste fato nós percebemos que não seria mais possível continuarmos trabalhando isoladas e sem ter a violência como bandeira de luta específica”, arremata Joana Darc.

A onda de extermínios de jovens nas comunidades do Jangurussu e Ancuri também marcou a criação do grupo Meninos e Meninas de Deus. A iniciativa reúne jovens vulneráveis a toda a sorte de violência em oficinas de futebol com o propósito de resgatar esse grupo e devolver-lhe o sorriso e a perspectiva de futuro “antes do grupo a gente era tudo inimigo, participava de gangues diferentes. Hoje a gente se junta pra jogar bola e se divertir”. Essa é a palavra de D.S. 19 anos que em outro momento dizia ” quem é de periferia não tem motivo pra rir não, tia!”

Os Meninos e Meninas de Deus somam 80 adolescentes e jovens que conquistam o direito de viver dia-a-dia. Eles romperam com o ciclo perigoso das drogas e da criminalidade a fim de conhecer o lado lúdico da vida que a partir da experiência ganha nova perspectiva, “os Meninos e Meninas de Deus são o grande sentido de existir da REAJAN. Continuar o trabalho com eles representa a esperança da REAJAN que se renova a cada dia”, conclui Joana Darc.

A esperança

Esta esperança motiva a organização e atuação da REAJAN. A rede realiza reuniões e assembleias mensais, onde são abordadas questões prioritárias em relação as demandas da cidade. A capacitação dos integrantes também é preocupação, e por isso, a REAJAN organiza-se em núcleos que permitem a qualificação constante por meio de seminário, rodas de diálogo, oficinas e cursos. A crença em uma Fortaleza bela de verdade dá o tom aguerrido da atuação da rede, que realiza manifestações a fim de denunciar os problemas sociais e mobilizar a sociedade para reivindicar seus direitos; promove audiências públicas no intuito de aprofundar o debate sobre as necessidades da população e Fóruns temáticos. Este último garante as condições para que a rede atue no controle social das políticas públicas.

No campo da educação, a REAJAN vem negociando com o poder público nas três esferas: Municipal, Estadual e Federal, a adoção do Plano de Educação Integral elaborado pela própria rede em eventos que mobilizaram os integrantes e moradores das comunidades. “A gente não deve se calar nunca! Nem por causa de emprego, de uma preferência partidária, porque tudo isso passa e a necessidade de viver bem e com qualidade fica!”, brada Manoel Santana, integrante da Coordenação da REAJAN. A liderança acredita que essa motivação não deve ser apenas da rede mas, de toda a sociedade que “não deve baixar a cabeça e se conformar com a negação de seus direitos!”.

Por Adriana Amâncio – Assessora de Comunicação da Diaconia

Fonte: Adital